No dia do acidente, a Milón dispensou a maior parte de seus funcionários após o almoço para fazer a limpeza de um tanque usado na limpeza dos resíduos que sobram da galvanoplastia, processo de banho químico de joias e bijuterias. A cada dois anos, o reservatório por onde passam os resíduos industriais precisa passar por limpeza. Uma série de rachaduras por onde vazava material tóxico indica que era necessário realizar reparos no local depois de limpo, segundo Luiz Antonio Valente, engenheiro de segurança do trabalho do Centro de Vigilância Sanitária do Estado.
Valente sustenta que a empresa parou a produção porque os dois tanques que faziam descarga de esgoto conectados em série estavam irremediavelmente ruins, "vazando veneno e ácido por todos os cantos e rachaduras". As investigações indicam que um funcionário recebeu ordem para fazer a limpeza. Ele entrou no tanque auxiliado por uma corda, porque o uso de escada teria sido descartado por Luiz Millón, um dos proprietários da empresa, para não danificar o piso do tanque.
Ao remexer nos produtos acumulados no fundo do recipiente, o trabalhador notou a presença de bolhas e começou a sentir dificuldade de respirar. Ele tentou sair do tanque, mas desmaiou e caiu em meio aos produtos químicos. "O trabalhador, quando desceu, sem estar amarrado à corda, sem escada, sem máscada, sem nenhum tipo de proteção, não conseguia sair e se sentiu mal", descreve o engenheiro.
Acumulados no fundo do tanque, a mistura de cianeto com os ácidos empregados na produção acabou por sintetizar o ácido cianídrico, um gás com as propriedades descritas por Valente. "Conforme pegava baldes dessa borra, ele foi misturando o ácido que estava por cima com a borra de veneno por baixo, produzindo o gás cianídrico, que alcança um volume grande no ambiente e mata quem chegar perto.
Ele lembra que, durante a Segunda Guerra Mundial, o material era usado em câmaras de gás de campos de concentração para extermínio em massa de pessoas. O contato entre as substâncias foi promovido ao revolver o material decantado nos tanques.
Ao perceber que o funcionário estava passando mal, um segundo funcionário encarregado da limpeza pulou dentro do tanque e conseguiu retirar o primeiro, jogando-o para fora. Em seguida, ele desfaleceu. Guilherme havia ficado no local até mais tarde, sem a missão da limpeza. Ele se aproximou do galpão onde estavam os tanques depois de ouvir os chamados de ajuda, e repetiu a operação: entrou no local para tirar o colega.
Segundo testemunhas, outros trabalhadores não conseguiram retirar Guilherme. "Dizem que tentaram tirá-lo, mas por ele ser maior, não conseguiram. Só que, depois, o gás tomou conta não só do tambor, mas do galpão todo, e as pessoas tiveram de fugir porque é um gás que realmente mata. O corpo do Guilherme ficou lá", detalha Valente.
A quarta vítima foi o funcionário que tentou retirar Guilherme mas não conseguiu, e foi retirado do tanque inconsciente. A quinta vítima foi uma funcionária que reanimou os colegas com massagens cardíacas e respiração boca a boca.
Fora da regra
O engenheiro de segurança do trabalho afirma que a Milón descumpria pelo menos uma norma da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), ligada à Secretaria de Meio Ambiente do governo paulista. "O tratamento dos efluentes é feito por um tubo só, uma saída só. Não pode ser assim. De acordo com normas de indústrias de bijuterias propaladas pela Cetesb – órgão que dá licença e alvará de funcionamento, que deveria ter visto o problema dessa e de outras empresas – prevê que banhos alcalinos e ácidos da galvanoplastia precisam ter tubulações de efluentes separadas, justamente para não juntar cianeto com ácido e produzir o gás cianídrico, que mata, como matou na segunda guerra mundial, e continua matando trabalhador, porque ninguém dá importância", lamenta.
Em maio de 2010, a Milón conseguiu a licença de operação da Cetesb, válida até 2013, conforme publicado no Diário Oficial do estado. Em agosto, após o acidente, a fábrica foi fechada. A reabertura ocorreu em um novo endereço, na região sul de Limeira, sem nenhuma identificação na fachada. A reportagem esteve no local, mas não foi recebida. Uma funcionária entregou o cartão do advogado da empresa, Marcelo Raman. Procurado, o jurista informou que a empresa "não tem interesse" em falar sobre o assunto.
Valente considera a Milón responsável pelo acidente, por não ter oferecido treinamento adequado, além de designar trabalhadores não qualificados, desrespeitar normas, métodos e procedimentos relacionados a riscos ligados à atividade e transgressão de regulamentação de equipamento de proteção individual, prevenção de riscos ambientais, ergonomia, segurança e saúde em espaços confinados. Os relatórios da Vigilância Sanitária produzidos depois do episódio assinalam mau estado de conservação de instalações elétricas e estruturais dos tanques.
O advogado da família de Guilherme ainda não ingressou com processo contra a empresa. Ele aguarda a conclusão dos inquéritos policial e administrativo e um parecer da Previdência Social sobre uma possível indenização à família.
Fonte: Radio Brasil Atual
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